Cabinda: O silêncio das pedras e o grito do povo “as lágrimas que não acabam”.
Na sua recente entrevista ao canal francês, o Presidente da República de Angola, João Lourenço, pronunciou-se sobre a situação de Cabinda, um território que, à semelhança de um poema interrompido, vive entre a promessa da abundância e a realidade da miséria. Quando questionado sobre a instabilidade militar, declarou, com a serenidade de quem ignora o clamor das ruas, que a Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC) não constitui um entrave ao desenvolvimento e que qualquer empresa pode investir na região. Mas o que diz a terra, que há décadas sangra sem um bálsamo de justiça? O que dizem as vozes sufocadas pela repressão?
A PARÁBOLA DE UM TERRITÓRIO SAQUEADO
Cabinda é um paradoxal Eldorado africano, onde a riqueza do subsolo não reflete a dignidade de seus habitantes. É uma terra de petróleo e desalento, onde a grandiosidade dos investimentos se desfaz na poeira dos becos e no silêncio das escolas sem cadeiras, dos hospitais sem medicamentos, das estradas esburacadas que se tornam armadilhas para os que nelas transitam. Se, como afirmou o Presidente, a guerrilha não é um fator impeditivo ao desenvolvimento, então quem, senão o próprio Estado, carrega o fardo da inércia e da negligência?
Se há investimentos, onde estão os frutos? Se há progresso, por que a fome persiste? Se Cabinda é um território em ascensão, por que seus filhos partem em busca de esperança noutras paragens?
A resposta não se encontra no discurso presidencial, mas na dureza da vida quotidiana. A marginalização de Cabinda não é um acaso, mas um projeto político. É um grito contido, abafado por decretos e pelo peso de um centralismo asfixiante que nega aos cabindenses o direito de serem protagonistas da própria história.
DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO: ENTRE O PAPEL E A PRÁTICA
O caso de Cabinda não é apenas um drama político e social, mas uma questão de Direito Internacional, onde o princípio da autodeterminação dos povos – tão exaltado nos discursos de Angola quando se trata de sua própria independência – é negado aos cabindenses com a frieza de um veto silencioso.
• A Carta das Nações Unidas (Artigo 1.º, n.º 2) proclama o direito dos povos a dispor de seu próprio destino;
• A Resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral da ONU, de 1960, estabelece que toda nação sob domínio estrangeiro deve alcançar a autodeterminação sem obstáculos impostos;
• O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Artigo 1.º) garante que todos os povos têm o direito de determinar livremente seu status político e seu desenvolvimento econômico, social e cultural.
Contudo, em Cabinda, essas normas não passam de ecos distantes, letras mortas que jamais se converteram em realidade. A autonomia é um sonho proibido, a independência é um crime de pensamento, a liberdade é uma utopia perseguida.
A REPRESSÃO COMO POLÍTICA DE GOVERNO
Ao longo das décadas, a resposta do Estado angolano às reivindicações cabindenses não foi o diálogo, mas sim a militarização, a repressão, a prisão arbitrária de ativistas e a constante violação dos direitos humanos. O simples ato de levantar a voz em Cabinda é tratado como um ato subversivo, como se exigir dignidade fosse um delito contra a pátria.
Entretanto, como a história ensina, nenhum império se sustenta sobre o silêncio imposto. O colonialismo português tentou silenciar Angola, e Angola venceu. Hoje, paradoxalmente, o governo de Angola repete com Cabinda os mesmos métodos repressivos que tanto condenou no passado.
O VERDADEIRO DILEMA: A POLÍTICA DO ABANDONO
Se a FLEC não é uma barreira ao progresso, então quem ou o quê justifica a estagnação de Cabinda? Se o conflito não impede o desenvolvimento, por que a miséria persiste?
A resposta está nas escolhas políticas de Luanda, que vê em Cabinda uma terra de riquezas a explorar, mas não um povo a respeitar. O enclave não é tratado como parte integrante de Angola, mas como uma colónia interna, onde o Estado apenas se faz presente para reprimir e arrecadar impostos.
A questão cabindense não é apenas uma questão territorial, mas uma questão de justiça histórica. O povo de Cabinda não pede favores, exige direitos. Não clama por esmolas, mas por respeito. Não deseja conflitos, mas sim uma solução que seja fruto da vontade popular, e não de decretos impostos por um governo distante e alheio à realidade local.
CONCLUSÃO: O FUTURO SE ESCREVE COM JUSTIÇA
O Presidente João Lourenço, ao tentar dourar a pílula sobre a situação de Cabinda, acabou por admitir, mesmo sem querer, que o subdesenvolvimento da região não é culpa da FLEC, mas sim da inércia e da incompetência governamental.
O destino de Cabinda não pode ser decidido em gabinetes distantes, sem a voz do povo. O tempo da retórica vazia e das promessas não cumpridas já se esgotou. A justiça e a paz só serão possíveis quando o povo cabindense for ouvido e sua dignidade for restaurada.
Afinal, como disse Nelson Mandela:
“Negar ao povo os seus direitos humanos é desafiar a própria humanidade.”
Clemente Cuilo “Tá Cuilo Kumassuco”