No cruzamento entre a estatística e a realidade, encontramo-nos novamente com o anúncio triunfalista do Governo angolano: 213 mil novos empregos formais em menos de um ano. São números que, se lidos de forma isolada, nos fazem imaginar um país onde o desemprego está em queda livre e a prosperidade se alastra como fogo em mato seco. Mas, como tantas outras vezes, a história contada pelos relatórios oficiais é apenas uma fração da realidade.
Imagino uma dona de casa num bairro periférico de Luanda, a ouvir no telejornal que a economia está a prosperar e que empregos abundam. Com uma panela vazia ao lume e crianças a brincar descalças no quintal, ela questiona: “Onde estão esses empregos?
Quem os está a ocupar?”. Afinal, para ela e tantos outros, os números não passam de abstrações distantes, incapazes de preencher a lacuna entre o que se promete e o que se vive.
A tal “melhoria do ambiente de negócios” é muitas vezes um código para beneficiar quem já tem recursos. Fala-se de acesso ao crédito, mas que microempreendedor consegue ultrapassar a burocracia e as taxas proibitivas?
Fala-se de produção nacional, mas os produtos que chegam às prateleiras do mercado continuam caros demais para a maior parte das famílias. Onde está o tal crescimento inclusivo que todos ambicionamos?
E os jovens? Ah, os jovens. São eles que, dia após dia, enfrentam filas intermináveis à procura de uma oportunidade que lhes permita sonhar. Mas que sonhos são possíveis quando as vagas oferecidas mal cobrem o custo do transporte para o local de trabalho? E não há formação que resolva o problema quando o próprio sistema está desenhado para limitar o potencial de tantos.
Pergunto-me, também, sobre o timing deste anúncio. Estamos quase no fim do ano, um momento propício para balanços e, por que não, para jogos políticos.
A próxima fase da Agenda Económica promete continuidade, mas não será este um convite subtil para que o povo adormeça sob a ilusão de que tudo vai bem?
Enquanto isso, o interior do país continua marginalizado. As oportunidades estão concentradas nas grandes cidades, como se o resto de Angola fosse um espaço de existência secundária. A promessa de inclusão é, muitas vezes, apenas uma palavra bonita num documento bem formatado.
Assim, voltamos à dona de casa e à sua panela vazia. Voltamos aos jovens nas filas e aos trabalhadores que, apesar de empregados, continuam a viver na pobreza. Estes são os rostos reais por detrás das estatísticas, e é a eles que devemos a nossa reflexão crítica. Porque não basta criar empregos; é preciso criar futuros.